O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Recurso
Extraordinário (RE 705140) com repercussão geral reconhecida, firmou a
tese de que as contratações sem concurso pela administração pública não
geram quaisquer efeitos jurídicos válidos a não ser o direito à
percepção dos salários do período trabalhado e ao levantamento dos
depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Por
unanimidade, o Plenário negou provimento ao recurso, interposto contra
decisão no mesmo sentido do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O
presidente eleito do STF, ministro Ricardo Lewandowski, destacou que o
julgamento afeta pelo menos 432 casos sobre a mesma matéria sobrestados
no TST e nas instâncias inferiores.
Na decisão questionada no RE 705140, o TST restringiu as verbas
devidas a uma ex-empregada da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
(Febem) do Rio Grande do Sul, contratada sem concurso, ao pagamento do
equivalente ao depósito do FGTS, sem a multa de 40% anteriormente
reconhecida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. A decisão
seguiu a jurisprudência do TST, contida na Súmula 363 daquela Corte.
Ao recorrer ao STF, a trabalhadora alegava que tal entendimento
violava o artigo 37, parágrafo 2º, da Constituição Federal. Segundo ela,
a supressão dos efeitos trabalhistas nas contratações sem concurso não
pode ser imposta com base nesse dispositivo, “que nada dispõe a
respeito”. Sustentava, ainda, que o parágrafo 6º do mesmo artigo impõe à
Administração Pública a responsabilidade pelo ilícito a que deu causa,
ao promover a contratação ilegítima, e, por isso, pleiteava o direito à
integralidade das verbas rescisórias devidas aos empregados contratados
pelo regime da CLT.
Relator
O ministro Teori Zavascki, relator do recurso, observou que o artigo
37, parágrafo 2º, da Constituição, “é uma referência normativa que não
pode ser ignorada” na avaliação dos efeitos das relações estabelecidas
entre a Administração Pública e os prestadores de serviço contratados
ilegitimamente. “Nas múltiplas ocasiões em se manifestou sobre o tema, o
STF assentou que a Constituição reprova severamente os recrutamentos
feitos à margem do concurso”, afirmou.
O ministro explicou que o dispositivo constitucional atribui às
contratações sem concurso “uma espécie de nulidade jurídica
qualificada”, cuja consequência é não só o desfazimento imediato da
relação, mas também a punição da autoridade responsável. “Daí afirmar-se
que o dispositivo impõe a ascendência do concurso no cenário do direito
público brasileiro, cuja prevalência é garantida mesmo diante de
interesses de valor social considerável, como aqueles protegidos pelas
verbas rescisórias nos contratos por tempo indeterminado, considerado
inexigíveis em face da nulidade do pacto celebrado contra a
Constituição”, assinalou.
O único efeito jurídico válido, nessas circunstâncias, é o direito
aos salários correspondentes aos serviços efetivamente prestados e a
possibilidade de recebimento dos valores depositados na conta vinculada
do trabalhador no FGTS. Este último, inclusive, só passou a ser admitido
após a introdução, em 2001, do artigo 19-A na Lei 8.036/1990, que
regulamenta o FGTS, contendo previsão expressa nesse sentido.
“Ainda que o levantamento do FGTS esteja previsto em lei específica, a
censura que o ordenamento constitucional levanta contra a contratação
sem concurso é tão ostensiva que essa norma [artigo 19-A da Lei 8.306]
chegou a ter sua inconstitucionalidade reconhecida por cinco dos 11
ministros do STF no julgamento do RE 596478”, lembrou o ministro Teori.
Ele citou ainda diversos precedentes das Turmas do STF no sentido de
negar o direito a outras verbas rescisórias típicas do contrato de
trabalho, ainda que a título de indenização.
“Na verdade, o alegado prejuízo do trabalhador contratado sem
concurso não constitui dano juridicamente indenizável”, afirmou. “Embora
decorrente de ato imputável à administração, se trata de contratação
manifestamente contrária à expressa e clara norma constitucional, cuja
força normativa alcança também a parte contratada, e cujo sentido e
alcance não poderia ser por ela ignorada”. Segundo o ministro, o
reconhecimento do direito a salários afasta, ainda, a alegação de
enriquecimento ilícito por parte da Administração.
CF/CRProcessos relacionados
RE 705140