sexta-feira, 6 de maio de 2011

Estudiosos e a Justiça brasileira não veem crime na Dinastia

Evidências e provas mostram-se insuficientes para caracterizar má conduta e impedir funcionamento de rede


Existe uma lei no Brasil que proíbe a formação das pirâmides na sua forma tradicional: é a 1.521, de 1951, que tipifica o chamado crime contra a economia popular e menciona claramente esquemas como correntes. Outra norma sob a qual se costuma enquadrar arranjos semelhantes é o artigo 171 do Código Penal, estelionato: “obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio induzindo alguém a erro mediante ardil”.

A operação da empresa Dinastia e do seu presidente, Dilso J. Santos, porém, não representa nenhuma infração a tais regras, na avaliação de especialistas na legislação do país e da própria Justiça.
“Tais casos geram perplexidade porque esquemas desse tipo são estruturados na forma de uma aparente legalidade, com uma argumentação floreada que serve de jogo de fumaça para esconder como as coisas realmente são. Aí o judiciário não consegue acompanhar, entender”, diz Robson Galvão, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.
A lei 1.521 é considerada antiga e muito generalista, até porque o termo pirâmide abarca diversos significados. O Código Penal exige, a fim de caracterizar uma violação, que a atividade supostamente ilegal reúna exatamente todos os elementos descritos na norma em questão.
“Não se pode condenar ninguém dizendo que sua atuação apenas se assemelha a uma prática proibida”, afirma Bruno Salama, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ainda há outros dispositivos que vedam indiretamente mecanismos de uma forma ou outra relacionados a pirâmides, como o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, que fala da propaganda enganosa.
Mas a 4ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, após dois anos de investigação, aceitou as explicações de que a Dinastia é uma empresa de marketing de rede como tantas outras e achou por bem, no fim de 2009, arquivar o inquérito civil aberto contra a organização, pois “não ficaram comprovadas irregularidades”, afirma a promotora responsável, Ana Rita Schinestsck, “embora as atividades da empresa despertem suspeitas”.
Pela mesma razão, não foram acolhidas ações individuais abertas por ex-associados na Justiça do Rio Grande do Sul – Estado onde a organização mais cresceu até agora –, e o promotor Rafael Russomanno Gonçalves, de Feliz (RS), solicitou em agosto de 2010 a absolvição sumária de Santos no processo criminal do qual era réu.
Cliente ou vendedor?
As investigações realizadas no Rio Grande do Sul somente levaram em conta a relação da Dinastia com seus integrantes enquanto clientes de seus serviços, de acordo com os promotores de Justiça.
A apólice de seguro de vida vendida pela empresa foi criada pela SulAmérica e devidamente registrada na Superintendência de Seguros Privados (Susep). A respeito de todos os benefícios proporcionados aos participantes, não consta nenhum tipo de reclamação nos órgãos de fiscalização, segundo levantamento do Ministério Público. A Susep não respondeu a pedidos de esclarecimento feitos pelo iG, e a SulAmérica, por meio da sua assessoria de imprensa, declarou “desconhecer a forma como a Dinastia atua com seus associados, não tendo informações sobre as vendas da empresa ou sobre a definição da estratégia de distribuição”.
A venda de seguros de vida, no Brasil, é prerrogativa de corretores devidamente autorizados pelo governo. “Mas o associado não está vendendo o seguro. A apólice é coletiva, não individual. O participante apenas indica o serviço a outros interessados em tornar-se parte do grupo”, diz Santos, acrescentando ter pesquisado muito até chegar a uma forma de operar que coubesse nas regras vigentes.
O cadastro de interessados em tomar parte na rede é realizado formalmente, com os números dos documentos pessoais do integrante, que assina um contrato e tem imposto de renda retido na fonte. O sistema de remuneração também foi registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“Nosso escritório fica desde 1996 no mesmo endereço. Se houvesse alguma ilegalidade, a empresa duraria tanto tempo? Cumpro estritamente todas as obrigações com os associados”, afirma Santos. “Assim, quando surge alguma reclamação, prefiro gastar com advogados a simplesmente devolver os valores de mensalidade pagos. Afinal, o reclamante gozou das vantagens oferecidas.”

Um crime contra a economia popular diz respeito às relações de consumo. “Nesse caso, quem adquiriu determinado bem ou serviço teria de ser lesado no direito de usufruir o que comprou”, afirma Marco Aurélio Florêncio Filho, professor da Universidade Mackenzie.
Livre arbítrio
Mesmo considerando o vínculo como revendedores que os filiados têm com a Dinastia, seria difícil apontar ilegalidades, continuam os juristas.
“Pode-se no máximo dizer que a empresa está exagerando as possibilidades de renda e escondendo os riscos da empreitada”, diz Salama. Na sua opinião, o poder público deve coibir abusos, porém não é saudável para a economia e para a sociedade adotar uma postura paternalista demais. Afinal, quem adere a tais arranjos o faz por vontade própria.
“Também deve-se ressaltar que é legítimo um empresário fazer propaganda enfática de seu produto, como quando uma fabricante promete brancura imaculada a quem usar seu creme dental. Todo negócio tem um pouco de fantasia”, afirma o professor.
O advogado Fábio Tofic Simantob, da banca paulista Tofic e Fingermann, concorda. “Um mau negócio é diferente de estelionato. Propostas maliciosas só colam porque encontram ouvidos propensos a acreditar, geralmente de pessoas que se acreditam ainda mais espertas do que aquele que lhes fala”, afirma Simantob. “É preciso desconfiar das promessas de milagres, que sempre se aproveitarão das brechas legais para se espalhar.”

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