quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Dano Moral decorrente da Falsa Paternidade: A Possibilidade de Indenização ao Homem Enganado pela Mãe da Criança

 


A investigação da paternidade é tema sensível e amplamente debatido no Direito de Família brasileiro, especialmente diante de situações em que o suposto pai descobre, após anos, que não possui vínculo biológico com a criança que acreditava ser sua. O problema se agrava quando há indícios de que a mãe tinha conhecimento da verdadeira paternidade, mas, mesmo assim, sustentou a narrativa falsa, induzindo o homem ao erro.

Nessas hipóteses, ganha relevância jurídica a discussão sobre a responsabilidade civil da genitora e a possibilidade de o pai enganado pleitear indenização por danos morais e materiais, diante da violação dos princípios da boa-fé objetiva, dignidade da pessoa humana e da confiança.

O Direito de Família moderno é marcado pela prevalência dos princípios constitucionais, especialmente a boa-fé objetiva, que impõe deveres de lealdade, cooperação, transparência e probidade entre os membros da família.

A ocultação dolosa da verdadeira paternidade caracteriza inequívoca violação a esses deveres, configurando ato ilícito nos termos do art. 186 do Código Civil, que prevê:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem [...] comete ato ilícito.”

A falsa atribuição da paternidade, quando consciente,  ultrapassa o mero erro ou dúvida, constituindo conduta intencional capaz de gerar severo abalo psicológico ao suposto pai, além de prejuízos financeiros relacionados à pensão alimentícia, convivência e responsabilidades assumidas de boa-fé.

A jurisprudência brasileira tem reconhecido o direito à indenização por dano moral nos casos em que comprovado que a mãe agiu com dolo, mantendo a mentira sobre a paternidade biológica.

O dano moral é caracterizado pelo abalo emocional, psicológico e existencial causado ao homem que dedicou afeto, tempo e recursos acreditando exercer a paternidade legítima.

Entendimento predominante nos Tribunais:

 APELAÇÃO CÍVEL. Ação de indenização por danos morais. Sentença de improcedência. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. CONTRARRAZÕES DE APELO. Preliminar rejeitada. Benesse que foi deferida no despacho inicial. Ausência de impugnação oportuna em contestação. Preclusão. Inteligência do art. 100 do CPC. MÉRITO. Recurso do autor. Falsa imputação de paternidade. Ausência de vínculo biológico entre o autor e a criança, reconhecido em ação própria. Autor que descobriu não ser o pai biológico do menor depois de 06 anos do nascimento, período no qual exerceu os direitos e deveres inerentes à paternidade. Configurada a culpa da ré, na medida em que se omitiu de informar o apelante acerca da possibilidade de inexistência da paternidade. Violação à honra objetiva e subjetiva do requerente. Dano moral configurado. Precedentes. Valor da indenização fixado em R$10.000,00, dadas as peculiaridades do caso concreto. Valor que, ademais, coaduna-se com a jurisprudência desta Corte em casos análogos. Sentença reformada. Ônus de sucumbência que recai integralmente sobre a ré (Súmula 326 do C. STJ). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO." (v. 43434). (TJSP;  Apelação Cível 1002744-20.2021.8.26.0323; Relator (a): Viviani Nicolau; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Lorena - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/11/2023; Data de Registro: 24/11/2023). 

 DIREITO civil. AÇÃO DE indenização por danos morais. SENTENÇA de procedência. APELAÇão cível. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. AUSÊNCIA DE INTERESSE. BENESSE JÁ CONCEDIDA PELO JUÍZO A QUO. FALSA IMPUTAÇÃO DA PATERNIDADE. OMISSÃO DE RELACIONAMENTO EVENTUAL. QUEBRA DE EXPECTATIVAS FAMILIARES. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM FIXADO PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU EM PARÂMETROS RAZOÁVEIS. SENTENÇA MANTIDA. CONSECTÁRIOS LEGAIS RETIFICADOS DE OFÍCIO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (TJ-AL; Número do Processo: 0707637-05.2015.8.02.0001; Relator (a): Des. Orlando Rocha Filho; Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 4ª Câmara Cível; Data do julgamento: 22/03/2023; Data de registro: 23/03/2023).

 RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Procedência decretada - Imputação de falsa paternidade que perdurou por aproximadamente 19 (dezenove) anos - Requerida que, por boa-fé, deveria ter informado o autor acerca da probabilidade de a paternidade ser de terceiro, mas não o fez - Inadmissibilidade da alegação da defesa - Dano Moral - Comprovação necessária - Culpa caracterizada - Indenização devida - Valor proporcional à extensão do dano (R$ 20.000,00) - Precedentes - Demonstrado que os fundamentos externados pelo juízo de primeiro grau se prestam perfeitamente a dar embasamento para rejeitar o inconformismo da parte requerida e que, em virtude de sua clareza e rigor, são aqui adotados como razões de decidir - Sentença confirmada - Honorários sucumbenciais devidos pelo autor que devem majorados conforme previsão contida no Artigo 85 do Código de Processo Civil c/c 98 do mesmo Diploma Processual, diante do trabalho adicional realizado em grau recursal - Recurso improvido. (TJSP;  Apelação Cível 1004341-95.2023.8.26.0309; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/11/2023; Data de Registro: 06/11/2023).

Além da violação à dignidade, está presente o dano à própria identidade pessoal do homem que construiu relações familiares e sociais com base em uma mentira previamente conhecida pela genitora.

Ademais, o exame de DNA revolucionou a dinâmica das ações de filiação, tornando mais preciso o estabelecimento da verdade biológica. Entretanto, é fundamental destacar: a simples divergência entre paternidade socioafetiva e biológica não gera o dever de indenizar.

Para que haja responsabilidade civil da mãe, é necessário comprovar:que ela tinha ciência da real paternidade;que ocultou deliberadamente essa informação e que o pai enganado sofreu danos psicológicos e/ou materiais decorrentes da conduta dolosa.

Sem a prova do dolo decorrente da má-fé da genitora, a falsa paternidade se enquadra como equívoco, afastando-se a responsabilidade civil.

A descoberta da não paternidade biológica não afasta automaticamente a paternidade socioafetiva já consolidada. Os tribunais têm decidido que o vínculo afetivo, quando construído de forma estável e contínua, pode coexistir com a ausência de vínculo biológico.

Contudo, isso não impede a responsabilização da mãe pela conduta enganosa.
A indenização busca reparar o dano sofrido pelo pai enganado de forma a não afetar a criança, que permanece protegida pelo princípio do melhor interesse.

 

Drª Elayne Cristina da Silva Moura. 

Contato Whatsapp: 67 - 99260 - 2828

 

 



 

 

 

 

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Testamento genético, como fica a herança?

Trata-se uma disposição de vontade do pai ou da mãe que por meio de Testamento dispõem de instruções em relação ao sêmen ou óvulo congelado para concepção e nascimento dos futuros filhos após a sua morte.

O avanço da medicina reprodutiva trouxe novos desafios ao Direito das Sucessões. Um deles é o testamento genético, instrumento por meio do qual o pai ou a mãe deixa, em testamento, instruções específicas sobre o uso de seu sêmen ou óvulo congelado para a concepção de filhos após sua morte.

Embora ainda pouco discutido no Brasil, o tema vem ganhando relevância prática, especialmente entre famílias que desejam garantir segurança jurídica quanto ao destino de seu material genético e assegurar direitos sucessórios aos filhos concebidos post mortem.

 O testamento genético teve sua origem através da ideia da advogada Israelense Irit Rosenblum no qual por meio de instrumento legal dispôs da ultima vontade no qual permitiu aos herdeiros a disposição do material genético sendo objeto de precedentes do Tribunal Israelense no ano de 2011. 

No Brasil, o fundamento para o testamento genético está no artigo 1.799 do Código Civil, que autoriza expressamente que uma pessoa, por meio de testamento, disponha acerca do destino de seu material genético congelado.

Portanto, somente por disposição testamentária o indivíduo pode autorizar:a utilização do sêmen ou óvulo preservado após sua morte;quem poderá utilizá-lo e em que condições a concepção poderá ocorrer.

Sem essa manifestação de vontade por testamento, qualquer procedimento de reprodução assistida utilizando o material do falecido torna - se juridicamente inviável.

A legislação brasileira também estabelece regras específicas para que o filho concebido após a morte seja reconhecido como herdeiro.

Para que haja direito sucessório, é necessário cumprir dois requisitos essenciais:

 

a) Relação conjugal ou união estável com o falecido

A mulher que realizará a gestação deve ser:cônjuge; ou companheira em união estável do falecido à época da morte.

A lei não reconhece direito à herança caso a concepção seja feita por terceira pessoa ou fora de uma relação familiar previamente constituída.

 

b) Concepção dentro do prazo máximo de 2 anos após o falecimento

A legislação estipula que a concepção através da reprodução assistida deve ocorrer em até 2 anos da abertura da sucessão.

Esse prazo garante segurança jurídica aos herdeiros e impede discussões sucessórias indefinidas.

Cumpridas essas condições, o filho concebido post mortem:é considerado herdeiro legítimo;possui os mesmos direitos dos demais descendentes e participa integralmente da partilha da herança.

Se houver testamento genético válido e a concepção ocorrer dentro do prazo legal, o filho póstumo será incluído na sucessão, participando da partilha de forma igualitária com os demais herdeiros.

Importante ressaltar que:

 

a) A partilha pode ser postergada ou reestruturada para reservar a parte destinada ao herdeiro que ainda será concebido;

b) Recomenda-se que o inventário informe expressamente a possibilidade de existência de herdeiro post mortem, evitando nulidades futuras e;

c) A ausência de testamento ou o descumprimento dos requisitos legais pode inviabilizar o direito sucessório.

 

Além disso, o  planejamento sucessório é indispensável para famílias que:

 

a) preservam material genético em clínicas de reprodução;

b) desejam garantir o exercício da parentalidade após a morte;

c) buscam segurança jurídica para cônjuges, companheiros e futuros filhos;

d) pretendem evitar litígios entre herdeiros e conflitos futuros. 

 

Além disso, o testamento genético garante que a vontade do falecido seja respeitada, protege direitos afetivos e patrimoniais e organiza o patrimônio de forma estratégica.

O testamento genético representa um marco no encontro entre tecnologia, família e Direito. Amparado pelo art. 1.799 do Código Civil, ele possibilita que a pessoa, ainda em vida, defina o destino de seu material genético e assegure direitos sucessórios aos filhos concebidos após sua morte.

Para que esses filhos tenham direito à herança, é indispensável que:

 

a) exista disposição testamentária válida;

b) a concepção ocorra em até dois anos após o falecimento;

c) e que a gestação seja realizada pelo cônjuge ou companheira do falecido. 

 

A compreensão adequada desse instrumento é essencial para garantir segurança jurídica e o respeito à vontade de quem deseja perpetuar sua linhagem mesmo após a partida.

 

Drª Elayne Cristina da Silva Moura. 

Contato Whatsapp: 67 - 99260 -  2828 .


Lembre-se: se você ou seus clientes enfrentam dúvidas sobre planejamento sucessório, reprodução assistida ou testamento genético, contar com orientação jurídica especializada é fundamental para evitar litígios e assegurar a plena validade dos atos.





Pedido de guarda na visão sistêmica: entre feridas emocionais, responsabilidade parental e o melhor interesse da criança.

 

A disputa de guarda é uma das questões mais sensíveis enfrentadas no Direito de Família. Frequentemente, a controvérsia jurídica é apenas a superfície de conflitos emocionais profundos, marcados por feridas relacionais não curadas entre os genitores.

A visão sistêmica, metodologia que observa o indivíduo como parte de um sistema familiar interdependente, contribui para compreender como tais feridas reverberam nas decisões parentais e, sobretudo, na vida das crianças.

Esse enfoque reforça que o pedido de guarda não deve ser instrumento de revanchismo ou perpetuação de mágoas, mas, sim, um mecanismo de proteção e promoção do desenvolvimento integral da criança, em estrita observância ao princípio constitucional do melhor interesse (art. 227 da Constituição Federal) e aos arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A prática forense revela que pedidos de guarda, muitas vezes, são formulados não pelo desejo genuíno de cuidar da criança, mas como reação a dores não elaboradas da relação conjugal. A guarda, nesse contexto, converte-se em um símbolo de vitória, controle ou retaliação.

A visão sistêmica destaca que:
 
Mágoas não elaboradas entre os pais tendem a se projetar na dinâmica parental, interferindo na capacidade de cooperar;
 
O litígio prolongado produz efeitos emocionais diretos na criança, que passa a ganhar uma função indevida no sistema familiar a de satisfazer expectativas emocionais de um genitor ou de “compensar” o sofrimento dos pais;
 
A criança, envolvida na disputa, carrega um peso que não lhe pertence, tornando-se leal a um ou outro genitor, o que pode gerar sofrimento psíquico duradouro.

O processo judicial, quando instrumentalizado para alimentar disputas pessoais, rompe o eixo protetivo que deveria reger as relações parentais após a separação.

O Código Civil brasileiro estabelece dois modelos centrais de guarda:
Guarda unilateral (art. 1.583, § 1º, CC): atribuída a apenas um dos genitores, cabendo ao outro o direito-dever de supervisionar os interesses dos filhos.

Vantagens e situações adequadas:
 
a) Indicada quando há incapacidade concreta de um dos pais exercer funções parentais;
 
b) Nos casos de violência doméstica, abuso ou risco à integridade da criança;
 
c) Quando o nível de conflito entre os pais impede qualquer comunicação mínima.

Contudo, a guarda unilateral restringe a convivência e a corresponsabilidade, devendo ser aplicada de forma excepcional.
Guarda compartilhada (arts. 1.583, § 2º, e 1.584, § 2º, CC): Modelo preferencial no ordenamento jurídico brasileiro, pressupondo responsabilidade conjunta e participação equilibrada nas decisões relativas à criança.

Vantagens na perspectiva sistêmica:

    Reduz a sensação de posse ou competição entre os genitores;

    Favorece a continuidade dos vínculos afetivos;

    Atua como fator de proteção emocional da criança;

   Distribui responsabilidades, evitando sobrecarga de apenas um genitor.

A guarda compartilhada, embora muitas vezes mal compreendida, não exige convivência igualitária, mas sim equilíbrio na tomada de decisões, reforçando a corresponsabilidade parental.
 
A visão sistêmica reafirma que o conflito parental é fator de risco para o desenvolvimento emocional da criança. A harmonia entre os genitores ainda que mínima e estritamente funcional, protege a criança da triangulação e de lealdades divididas.

Um acordo parental, quando possível, promove:

    Estabilidade emocional e rotina saudável;

    Redução da ansiedade infantil quanto à separação dos pais;

    Previsibilidade e segurança afetiva;

    Melhoria da comunicação entre os genitores.

O acordo não significa ausência de divergências, mas sim capacidade de manejá-las de forma adulta, madura e orientada ao bem-estar da criança.

O ordenamento jurídico brasileiro é categórico:
 
Art. 227 da CF: impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança, com absoluta prioridade, todos os direitos fundamentais.
 
Art. 3º do ECA: declara que a criança deve receber proteção integral, garantindo-se desenvolvimento físico, mental, moral e social.
 
Art. 4º do ECA: reforça a prioridade absoluta, especialmente em decisões judiciais.

Do ponto de vista sistêmico, esse princípio significa reconhecer a criança como sujeito de direitos, não como instrumento emocional ou jurídico dos pais. Assim, qualquer decisão relativa à guarda deve considerar:

    Necessidades afetivas, educacionais e sociais;

    Continuidade e estabilidade das relações primárias;

    Preservação de vínculos saudáveis com ambos os genitores;

    Proteção contra exposição a conflitos intensos.

Observações práticas para advogados, mediadores e operadores do Direito.
 
Incentivar a mediação e o diálogo, evitando judicializações desnecessárias.
 
Acolher a dor dos pais, mas sem permitir que ela oriente decisões prejudiciais à criança.
 
Conscientizar os genitores de que o fim da conjugalidade não rompe a parentalidade.
 
Evitar petições com linguagem bélica, substituindo-as por abordagens colaborativas.
 
Avaliar, de forma sistêmica, a história familiar, os padrões repetitivos e as lealdades invisíveis que emergem no litígio.
 
Recomendar acompanhamento psicológico e parentalidade consciente, quando necessário.
 
Priorizar sempre a guarda compartilhada, salvo quando houver risco ou desvantagem concreta à criança.

O pedido de guarda, sob a visão sistêmica, exige que os operadores do Direito enxerguem além dos autos. A disputa frequentemente é reflexo de mágoas não resolvidas, que podem colocar a criança no epicentro de conflitos que não lhe pertencem.

A legislação brasileira, ao priorizar a guarda compartilhada e o melhor interesse da criança, reforça a necessidade de decisões centradas em seu bem-estar integral, físico, emocional e social.

Assim, somente quando os pais conseguem separar suas dores pessoais das necessidades dos filhos é que o sistema familiar se reorganiza de forma saudável, permitindo que a criança cresça livre do peso que não é seu, cercada de vínculos seguros e amorosos.
 
Drª Elayne Cristina da Silva Moura. 
67 - 99260 - 2828

A Obrigatoriedade da Pensão Alimentícia na Paternidade Afetiva.Entenda quando realmente surge a obrigação de prestar esses alimentos.

 

A evolução das relações familiares no Brasil ampliou a compreensão tradicional de filiação. Hoje, a afetividade é reconhecida pelo Poder Judiciário como elemento capaz de gerar vínculos parentais, produzindo efeitos jurídicos relevantes, como o direito à convivência, ao nome e, sobretudo, à pensão alimentícia.
 
Entretanto, há um equívoco bastante difundido: o de que a simples convivência com a mãe da criança gera, automaticamente, a obrigação de pagar alimentos. Este mito, além de juridicamente incorreto, tem gerado inúmeros conflitos familiares e ações judiciais indevidas. 
 
Com o aumento da divulgação da paternidade afetiva, muitas ações passaram a ser propostas de forma equivocada, buscando pensão alimentícia sem a existência dos requisitos legais.

Essa judicialização indevida gera desgaste emocional, custos processuais e insegurança jurídica.

A paternidade afetiva somente é reconhecida quando o vínculo entre o adulto e a criança se forma com base no afeto, na convivência contínua e no exercício das funções típicas de pai, sendo necessários elementos como:relação estável de cuidado, proteção e orientação; convivência prolongada e voluntária;percepção pública de que aquela pessoa exerce, de fato, o papel paternal e a existência da chamada posse do estado de filho, com afeto, nome e reconhecimento social.

Esse vínculo socioafetivo ganhou força no Direito de Família após decisões do STJ e do STF que consolidaram a ideia de que a afetividade, quando comprovada, tem força jurídica igual à paternidade biológica:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO E SOCIOAFETIVO. IRREVOGABILIDADE DO RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DA FILIAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. REEXAME DE FATOS. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo interno interposto por A. G. dos S. N. contra decisão que negou provimento ao recurso especial manejado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, que manteve a improcedência de ação negatória de paternidade cumulada com anulação de registro civil e exoneração de alimentos, reconhecendo a ausência de vínculo biológico e afetivo, mas também a inexistência de vício de consentimento no ato voluntário de registro do menor. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em determinar se a ausência de vínculo biológico e socioafetivo é suficiente para desconstituir o reconhecimento voluntário da paternidade, diante da alegação de vício de consentimento, e se o recurso especial pode ser conhecido à luz dos óbices das Súmulas 7 e 83 do STJ. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça estabelece que a anulação do reconhecimento de paternidade voluntário somente é possível mediante prova robusta de vício de consentimento, o que não restou demonstrado no caso concreto, pois o recorrente tinha ciência da possível ausência de vínculo biológico quando realizou o registro. 4. A pretensão recursal exige reexame do conjunto fático-probatório, especialmente quanto à existência de erro ou coação no ato de registro, incidindo o óbice da Súmula 7 do STJ. 5. A decisão agravada está em conformidade com a jurisprudência dominante da Corte, o que atrai a incidência da Súmula 83 do STJ. 6. O mero inconformismo com o entendimento adotado pelo Tribunal de origem, sem demonstração efetiva da existência de vício invalidante, não autoriza a desconstituição do registro civil regularmente constituído. 7. A ausência de impugnação específica aos fundamentos do acórdão recorrido impede o conhecimento do recurso, conforme a Súmula 283 do STF, aplicada por analogia. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt no AREsp n. 2.644.635/SE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Terceira Turma, julgado em 28/4/2025, DJEN de 5/5/2025.).


AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. POSSIBILIDADE DE EXECUTAR ALIMENTOS DEVIDOS DESDE A DATA DA CITAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 13, § 2º, DA LEI 5.478/68. SÚMULA 277/STJ. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O deferimento de alimentos é um dos efeitos da sentença de procedência do reconhecimento da paternidade, mesmo que não haja pedido expresso, pois, além da alteração do registro civil, é uma consequência da lei. 2. O artigo 13, § 2º, da Lei 5.478/68 deixa claro que, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação. Incidência da Súmula 277/STJ. 3. Não há margem a dúvidas ou particularidades no caso concreto pelo fato de ter sido anulada paternidade anteriormente registrada. A circunstância de o sustento da menor ter sido garantido, voluntariamente, no decorrer da ação de investigação de paternidade, por familiares ou pelo pai afetivo/registral, não elimina a obrigação legal alimentar do pai biológico, devida desde a sua citação no processo de conhecimento. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 356.329/PB, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 21/11/2017).

Um dos equívocos mais comuns é acreditar que, basta o homem manter relacionamento amoroso com a mãe da criança para surgir automaticamente a obrigação alimentar.Essa crença é totalmente infundada: a obrigação alimentícia nasce da filiação, não da convivência com a genitora.

O fato de ter sido padrasto, namorado, companheiro ou até mesmo de ter morado na mesma residência da mãe ou a existência de vinculo indireto com a criança não configura paternidade afetiva por si só.

A pensão somente é devida nos casos em que o vínculo socioafetivo é reconhecido voluntariamente ou declarado judicialmente em duas situações distintas:

a) quando ocorre o reconhecimento voluntário da paternidade afetiva: ou seja, a pessoa ciente não ser o pai biológico reconhece formalmente a criança em cartório por meio do registro de nascimento: nesse caso, a paternidade afetiva é assumida de forma expressa e com ela todos os deveres inclusive a obrigação de alimentos;

b)Reconhecimento judicial da paternidade afetiva:Quando ocorre a disputa, o vinculo judicial é reconhecido desde que comprovados: convivência contínua e duradoura;desempenho das obrigações paternas; dependência emocional da criança e demonstrações públicas de que aquele adulto era reconhecido como pai.

Uma vez declarada a paternidade afetiva aplica-se a regra geral dos alimentos observando a necessidade da criança e a possibilidade de quem paga.

Em suma, a Paternidade afetiva gera a obrigação de prestar alimentos, mas somente quando existe verdadeiro vínculo de filiação entre o adulto e a criança.

A simples convivência com a mãe, por si só, não cria este dever, e essa distinção precisa ficar clara para evitar equívocos jurídicos e conflitos familiares. 
 
Drª Elayne Cristina da Silva Moura. 
Contato ( whatsapp) 67 - 99260 -2828