segunda-feira, 5 de setembro de 2011

JCNET - Justiça de Família em Bauru não vê legalidade em casamento homoafetivo

Tisa Moraes

Os parceiros homossexuais que desejam se casar “no papel” deverão encontrar certa resistência do Poder Judiciário de Bauru. Os dois juízes que respondem pelas duas únicas varas de família da cidade anteciparam, em entrevista ao JC, que não veem legalidade no casamento homoafetivo.



Para eles, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tornou equivalente a união estável homossexual à heterossexual, em maio, não contempla a figura do casamento. Portanto, sem amparo na lei, a tendência é de que as requisições locais continuem sendo indeferidas.



Nesta semana, a juíza da 1ª Vara da Família, Ana Carla Crescioni Almeida Salles, não acatou os dois primeiros pedidos protocolados em Bauru para conversão de união estável em casamento. O primeiro deles, feito por duas mulheres, foi negado na última segunda-feira. Anteontem, foi indeferida a solicitação do estudante de direito Charles Bulhões Trevisan da Silva, 23 anos, e do auxiliar administrativo Cauê de Oliveira Sena Ricarte, 19 anos.



Em Bauru, há ainda um terceiro pedido já registrado em cartório - da recepcionista Érica Oliveira dos Santos, 26 anos, e da dona de casa Crislaine Maurício Lindo, 22 anos - que ainda não chegou ao Judiciário. Elas ainda aguardam a homologação da união estável para que a ação possa ser encaminhada ao parecer do Ministério Público e, então, ser apreciada pelo juiz da 2ª Vara da Família Gilmar Ferraz Garmes.



A juíza Ana Carla revela que negou os dois únicos pedidos que chegaram à 1ª Vara por entender que, embora a união estável homossexual tenha sido reconhecida como entidade familiar pelo Supremo, o casamento entre pessoas do mesmo sexo continua não sendo autorizado pelo Código Civil. Em seu artigo 1.514, a lei prevê que “o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal”.



“No meu enfoque, a decisão do STF não autoriza uma interpretação ampla. Se quisesse ter estendido a equivalência da união estável também em relação ao casamento, o teria feito. Mas não o fez”, argumenta, destacando que a “pacificação” sobre o tema só será possível com a alteração do Código Civil pelo Congresso Nacional. Outra saída seria a criação de uma súmula vinculante por parte do próprio STF.



Juiz da 2ª Vara da Família, Gilmar Ferraz Garmes ainda não apreciou nenhum pedido de conversão de união estável em casamento. Por este motivo, ele destaca que não pode realizar nenhum julgamento prévio, mas adianta que, em princípio, a decisão do Supremo parece não ter a amplitude atualmente requerida pelos casais homossexuais.



“Fica difícil antecipar (qualquer futura decisão), mas a tendência é pelo indeferimento dos pedidos pela falta de previsão legal. A decisão do STF não tem esta extensão, reconhecendo apenas a união estável”, pontua.



Um trecho da decisão que poderia dar margem a interpretações refere-se às “conseqüências jurídicas” que beneficiariam os casais que vivem sob união estável. Mas Garmes esclarece que se tratam apenas de garantias decorrentes deste regime jurídico, como a partilha de bens, herança ou acesso a benefícios previdenciários em caso de morte do companheiro.



Os casais homoafetivos, entretanto, afirmam que o deferimento dos pedidos de casamento não atenderia a um mero “capricho”, mas reduziria a burocracia para acesso a estes direitos, como ocorre com os casais heterossexuais.



Casal pretende recorrer da decisãoO estudante Charles Bulhões Trevisan da Silva, 23 anos, e o auxiliar administrativo Cauê de Oliveira Sena Ricarte, 19 anos, pretendem recorrer da decisão da Justiça que, anteontem, negou o pedido de conversão da união estável de ambos em casamento. No entanto, de acordo com Charles, a forma como o recurso será protocolado ainda está sendo avaliada pelo departamento jurídico da Associação Bauru pela Diversidade (ABD), que abraçou a causa dos rapazes. “O caminho natural é recorrer, porque a gente entende que o direito ao casamento é algo líquido e certo. Mas ainda vamos discutir a melhor forma de continuar lutando judicialmente”, pontua. Em segunda instância, um eventual recurso terá de ser apreciado pela Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça, em São Paulo.Conforme destaca Marcos Souza, o Markinhos, presidente da ABD, a entidade respeita a decisão da Justiça em Bauru, mas adianta que buscará embasamento legal nos casos julgados favoráveis em primeira instância em outras cidades do Estado e do Brasil. “É preciso ter calma neste momento. Antes de fazer este estudo, não é possível dizer nada sobre o assunto ou apontar qual o melhor caminho”, comenta ele. Markinhos reconhece que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dá margem às interpretações que resultaram nas duas negativas de pedido de conversão em Bauru, mas lembra que as requisições para o reconhecimento apenas da união estável entre casais homoafetivos continuam sendo acatadas.



Direitos





Entre os direitos garantidos pela figura do casamento - e que não estão previstos legalmente pela união estável - estão a possibilidade de adotar o sobrenome do parceiro, assumir o novo estado civil nos documentos pessoais, além de se tornar herdeiro necessário do cônjuge em caso de morte. Se um dos parceiros falecer, o casamento formal também assegura a transferência automática do benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).De acordo com o advogado Olavo Pelegrina Júnior, especialista em direito de família, a união estável e o casamento se assemelham em termos de direitos dos companheiros, mas reconhece que a segunda condição facilita o usufruto destes benefícios. “A união estável garante, por exemplo, o direito de herança e transferência do INSS, mas há uma necessidade maior de comprovação de documentos”, pontua.



Decisões favoráveis





Os dois únicos pedidos protocolados em Bauru por casais homoafetivos para conversão da união estável em casamento foram negados nesta semana. No Estado, entretanto, são diversas as decisões favoráveis em primeira instância. As mais recentes foram registradas em cidades como Franco da Rocha, Porto Feliz, Araçatuba, Votuporanga, Jundiaí, Hortolândia e Jardinópolis. Há ainda deferimentos quanto ao assunto no Rio de Janeiro (RJ), Araranguá (SC) e Brasília (DF).De maneira geral, os juízes que acatam os pedidos baseiam-se no direito constitucional de que todos são iguais perante a lei e no artigo 226 da Constituição, cujo parágrafo terceiro reconhece a união estável como entidade familiar, “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Mas, conforme avaliação da juíza da 1ª Vara da Família, Ana Carla Crescioni Almeida Salles, somente esta regulamentação não garante o benefício do casamento aos parceiros homoafetivos. “A Constituição apenas fixa diretrizes que devem ser observadas em legislação específica, como o Código Civil. Ela diz apenas que a lei deve facilitar a conversão em casamento. Mas, no caso das relações homoafetivas, não há lei que regulamente o assunto”, pontua.De acordo com o artigo 1.514 do Código Civil, “o casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal”. Não há menção sobre a possibilidade de casamento entre dois homens ou duas mulheres.

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