Criada em 1808 com o nome de Conselho Supremo Militar, a Justiça Militar é a mais antiga do Brasil. Também chamada de Justiça castrense, divide-se atualmente em duas esferas: da União e dos estados.
A da União, com competência para julgar militares das Forças Armadas, tem estrutura e competência disciplinadas pela Lei 8.457/92. Em primeira instância, conta com 12 Circunscrições Judiciárias Militares, a maioria abrangendo mais de um estado, e a segunda instância é o Superior Tribunal Militar (STM).
Civis também podem ser julgados pelo STM. Um caso bem recente é o de um civil que teve habeas corpus negado pela corte militar. Ele está preso preventivamente desde maio de 2011 por roubar arma em unidade de controle de tráfego aéreo e matar um soldado da Aeronáutica.
Estados
A Justiça Militar estadual julga integrantes das forças auxiliares: Policia Militar e Corpo de Bombeiros.
O artigo 125 da Constituição Federal (CF) estabelece em seu parágrafo quarto que compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos estados, nos crimes militares definidos em lei, e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil. Cabe ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
O mesmo artigo cita no parágrafo terceiro que “lei estadual pode criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar (TJM) nos estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil integrantes”.
A redação foi dada pela Emenda Constitucional 45, de 2004. Atualmente, apenas três estados têm TJM: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Oito súmulas
A instância recursal contra decisões da Justiça Militar estadual é o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar de a Constituição estabelecer as competências da Justiça Militar, a questão é bastante controversa. Ao longo da década de 1990, o STJ editou oito súmulas sobre o tema: Súmulas 6, 47, 53, 75, 78, 90, 172 e 192.
Um desses enunciados define que é da Justiça comum a competência para processar e julgar civil acusado de prática de crime contra instituições militares estaduais (Súmula 53). Também ficou estabelecido que cabe à Justiça Militar julgar crime cometido por militar contra civil, com o emprego de arma pertencente à corporação, mesmo não estando em serviço (Súmula 47).
Competência
Mesmo com tantas súmulas, são recorrentes os conflitos de competência para decidir quem deve julgar os bombeiros e policiais militares.
No caso dos policiais militares da Bahia que fizeram greve no início de 2012, tanto a Justiça Militar quanto a Justiça Federal se declararam incompetentes para julgar os 84 policias acusados de incitar motim, revolta e conspiração. Eles invadiram o prédio da Assembleia Legislativa com mais de 300 grevistas e impediram, com uso de armas, a continuidade dos trabalhos legislativos.
A Terceira Seção do STJ decidiu que a Justiça Militar deveria julgar os acusados de praticar os crimes apontados na denúncia, ressalvando que, caso os atos estivessem previstos na Lei de Segurança Nacional, a competência seria da Justiça Federal (HC 124.133).
O colegiado estabeleceu, ainda, que é da Justiça comum a atribuição de julgar crime praticado por militar de folga, na área externa de cadeia pública (CC 115.597). O militar da ativa que atira contra outro militar em serviço também deve ser julgado pela Justiça comum (HC 209.009), assim como o militar reformado que pratica injúria contra militar da ativa (HC 125.582). Se em vez de reformado o militar estivesse na ativa, a competência seria da Justiça Militar.
Código Penal Militar
Com base no artigo 125 da CF, o STJ já decidiu que policiais e bombeiros militares também respondem pelos crimes previstos no Código Penal Militar (CPM). A questão foi discutida em 2012, no julgamento de habeas corpus impetrado por policial militar do Rio Grande do Norte denunciado por resistir à prisão mediante ameaça, descumprir missão e desacatar superior, crimes previstos no CPM.
Ele foi encontrado bebendo em um bar, quando deveria estar em serviço. Embriagado, recusou-se a ser levado ao batalhão e distribuiu ameaças aos que tentaram conduzi-lo.
O policial acabou respondendo a ação penal por esses atos. Um dos argumentos da defesa para pedir o trancamento da ação era que o CPM não se aplicaria a policiais militares, mas somente aos militares das Forças Armadas.
Para os ministros, não há dúvidas de que os policiais militares estão abrangidos no conceito de militares dos estados, “sendo totalmente descabida e improcedente a interpretação que a impetrante pretende conferir ao citado dispositivo constitucional, restringindo a sua aplicação aos militares federais, que estão sob o comando das Forças Armadas”.
Isso porque a redação do parágrafo 4º do artigo 125 da CF é clara ao atribuir à Justiça Militar a competência para apreciar os delitos praticados pelos militares estaduais, excetuando apenas os crimes dolosos contra a vida cometidos contra vítima civil (HC 191.371).
Crime militar
Segundo a Sexta Turma, os crimes militares podem ser puros ou próprios (puramente militares) e impróprios. Os primeiros são os que estão definidos somente no CPM, e os outros são os que também estão tipificados na lei penal comum. É o caso da concussão – exigir vantagem indevida em razão da função que ocupa.
Um policial militar do Rio de Janeiro foi condenado a dois anos e quatro meses de prisão por exigir R$ 200, incorrendo em concussão, delito tipificado no artigo 305 do CPM e também no 316 do Código Penal (CP).
Para a Sexta Turma, a natureza militar do delito no caso de crime impróprio resulta da conjugação de diversos elementos previstos nos artigos 9º e 10 do CPM. Entre eles, destacam-se a condição funcional do agente e a do sujeito passivo da prática criminosa, impondo-se, ainda, para a caracterização do ilícito penal militar, a condição de estar em atividade.
No caso julgado, os ministros consideraram que a aplicação da legislação militar foi correta porque o policial praticou o crime no exercício de sua função ou em razão dela. Contudo, a Turma reformou o julgamento para afastar da condenação a agravante prevista na alínea “i” do inciso II do artigo 70 do CPM – estar em serviço –, por integrar o próprio conceito de crime militar.
Assim, a pena foi reduzida para dois anos de reclusão, o que resultou na prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime de concussão. Isso porque entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença passaram-se mais de quatro anos (HC 243.475).
Processos separados
O militar que comete crimes pode ser julgado pela Justiça Militar e pela Justiça Federal? Para a Quinta Turma, pode se os crimes forem distintos. Foi o que ocorreu com um policial militar acusado de integrar quadrilha voltada à exploração de bingos e máquinas caça-níqueis no Rio de Janeiro.
O esquema incluía crimes autônomos contra a administração pública, como corrupção de agentes públicos, corrupção passiva com infração do dever funcional, facilitação de contrabando, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, entre outros.
Alguns desses crimes estão previstos simultaneamente no Código Penal e no Código Penal Militar. Ou seja, houve crimes militares e federais. O policial, major da PM, foi absolvido pela Justiça Militar. Por essa razão, ele pediu ao STJ o trancamento da ação penal na Justiça Federal por facilitar o contrabando ou descaminho e formação de quadrilha, respectivamente artigos 318 e 288 do CP.
Para os ministros, não há falta de justa causa para ação penal na Justiça Federal em razão da absolvição na Justiça Militar, porque os fatos criminosos são distintos, apesar de cometidos no mesmo contexto fático (O número do processo referente a este caso não é divulgado em razão de sigilo judicial).
Progressão de regime
Com base no entendimento do STJ de que a Lei de Execução Penal (LEP) se aplica aos condenados por crimes militares, a Quinta Turma decidiu que é possível a progressão de regime de cumprimento de pena em estabelecimento militar. O benefício foi contestado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.
A decisão destaca que a legislação militar nada diz sobre a possibilidade de progressão de regime para os condenados que cumprem pena em penitenciária militar. O artigo 2º, parágrafo único, da LEP indica sua aplicação apenas para militares recolhidos a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária. Já o artigo 3º do Código de Processo Penal Militar prevê a aplicação da legislação processual penal comum nos casos omissos.
Diante do vácuo legislativo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade no regime integralmente fechado em estabelecimento militar contraria não só o texto constitucional, como todos os postulados infraconstitucionais atrelados ao princípio da individualização da pena (HC 215.765).
Punição administrativa
O STJ julga com grande frequência recursos contra decisões administrativas em âmbito militar, tanto nos estados quanto nas Forças Armadas, que resultam em punições como perda do cargo. A competência para esses casos é da Primeira Seção e da Primeira e Segunda Turma, órgãos especializados no julgamento de processos sobre direito público, que inclui direito administrativo.
É o caso de ex-policial militar de São Paulo que impetrou mandado de segurança no STJ para anular sua exoneração durante o estágio probatório e ser reintegrado ao cargo. Ele foi punido por ter sido surpreendido em trajes civis portando arma de fogo pertencente à corporação, sem autorização para isso, e acompanhado de três pessoas com envolvimento em delitos.
Após cumprir sete dias de prisão disciplinar, respondeu a processo administrativo que resultou em sua exoneração. A defesa alegou que o ato teria violado os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Segundo a decisão da Primeira Turma, a conduta do ex-policial não é compatível com a honra e o decoro militar. O procedimento administrativo, segundo o acórdão, pautou-se pela legalidade e permitiu o exercício da ampla defesa e do contraditório, inclusive com produção de prova testemunhal e perícia toxicológica (AREsp 279.696).