Ainda que a responsabilidade do fornecedor, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, seja objetiva, é possível afastar o dever de indenizar caso demonstrada a ocorrência de alguma excludente de ilicitude. Com esse entendimento, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas reformou sentença que condenava um site de comércio online a indenizar por danos morais e materiais um vendedor que sofreu golpe de um comprador.
A decisão foi proferida em apelação interposta pelo Mercado Livre contra decisão que concedeu indenização no valor de R$ 113.800,00. Na ação, o autor conta que, depois de receber a informação pelo Mercado Pago, sistema do site réu, sobre a confirmação de pagamento de um aparelho de som no total de R$ 100.000,00, enviou o produto, custeando o frete de R$ 3.800,00.
Depois de enviar o produto ao comprador, o autor afirma que descobriu que os e-mails do Mercado Pago que recebeu eram falsos. A defesa do réu, feita pela advogada Andrea Seco, do Almeida Advogados, sustentou ilegitimidade na ação, falta de cuidado do próprio autor quanto à confirmação do pagamento, falta de provas do envio do produto, ausência de responsabilidade pelo fato de terceiro e a não ocorrência de danos morais.
Depois da decisão favorável ao autor, a empresa ré alegou não ser parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que não participou da negociação. Defendeu que o Mercado Livre funcionou apenas como plataforma para disponibilizar o anúncio do autor e que ele foi quem, por negligência, deixou de confirmar a veracidade das informações que lhe foram passadas no ato fraudulento.
A defesa ressaltou ainda que, nos termos e condições de uso do site, há informação no sentido de que a parte apelante não participa das negociações feitas na plataforma e não fornece qualquer produto. Destacou que, uma vez aprovado o pagamento feito pelo comprador, o vendedor usuário da plataforma consegue visualizar os valores creditados em sua conta, "sendo essencial que a consulte antes de efetuar a entrega de qualquer produto vendido".
Em contrarrazões, o autor da ação de indenização sustentou que o Mercado Livre "não se empenhou para evitar a fraude" e que a situação gerou constrangimentos. Disse, ainda, que o ocorrido causou um prejuízo material que o impossibilitou de expandir seu outro empreendimento e que o dano moral estaria configurado no fato dele ter seu nome e honra manchados, o que dispensaria comprovação.
Ponderações da responsabilidade
Ao julgar o recurso, o desembargador Fábio José Bittencourt Araújo destacou em seu voto que "não há que se falar em ilegitimidade da referida empresa para figurar no polo passivo da demanda, porquanto, somente levando em conta os fatos narrados na inicial, o Mercado Livre teria, a princípio, participação nos danos sofridos pelo demandante".
Isso significa, disse o magistrado, que a responsabilidade do site réu está necessariamente caracterizada. De acordo com seu voto, seguido por unanimidade por todos os membros do colegiado, a relação entre o autor, consumidor, e réu, fornecedor, é coberta pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. "Nesse contexto, tenho que a responsabilidade civil a ser aplicada ao caso em testilha é a objetiva, por ser a regra estabelecida pela Lei 8.078/1990, que, como visto, é a norma de regência a ser aplicada no presente feito", declarou.
"Como é cediço, por se tratar de responsabilidade objetiva, caberia ao consumidor apenas demonstrar a ocorrência da conduta ilícita e do nexo de causalidade, sendo desnecessária a prova do dolo ou da culpa", explicou. "Em contrapartida, compete ao réu o ônus de demonstrar e provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pela parte demandante", completou o relator.
Como o e-mail falso recebido pelo autor foi de um endereço diferente do Mercado Pago, o desembargador entendeu que a empresa ré não teria como fiscalizar todos os e-mails falsos que usam seu nome, muito menos como controlar o recebimento de mensagens eletrônicas enviadas por terceiros.
"Seria diferente se tais mensagens fossem originadas do próprio site da empresa, uma vez que, nessa situação, a parte recorrente teria o dever de constatar e impedir a violação promovida nos mecanismos de segurança das plataformas", ponderou o magistrado.
Em seu voto, o desembargador acolheu as teses da defesa no sentido de afirmar que o golpe sofrido pelo autor não teve como causa qualquer conduta do Mercado Livre, porque a empresa não participou, de nenhuma maneira, da negociação.
"Cabe ao consumidor e às pessoas, no geral, igualmente adotarem posturas zelosas, a fim de evitar a ocorrência de danos, conforme preceitua a teoria 'duty to mitigate the loss' (dever de mitigar o próprio prejuízo)", disse ao destacar que a responsabilidade objetiva no caso não é integral e irrestrita do fornecedor.
"Embora a responsabilidade dos fornecedores seja objetiva, em face da teoria do risco e da responsabilidade objetiva inerentes às atividades lucrativas, é possível que o dever de indenizar seja afastado acaso demonstrada a ocorrência de alguma excludente de ilicitude, a saber: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior", afirmou. "A doutrina e jurisprudência, no entanto, ressalvam que o caso fortuito capaz de excluir eventual obrigação pelo dano causado seria aquele qualificado como 'externo'", apontou enquadrando a possibilidade ao caso.
Fonte : CONJUR
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