Pedir projetos ou relatórios em prazos impossíveis, remarcar reuniões em cima da hora e não avisar funcionário com papel fundamental nela, pedir tarefas triviais para pessoas que ocupam cargos de responsabilidade, deixar de pedir tarefas, espalhar fofocas, excluir pessoas do grupo, não dividir informações, pedir trabalhos que obriguem funcionário a aumentar em muitas horas sua jornada de trabalho, fazer críticas constantes, não reconhecer esforços e desmerecer resultados.
Situações comuns em muitas empresas atribuídas ao mercado de trabalho competitivo, ao estresse da vida cotidiana e a questões de personalidade ou problemas psicológicos, como distúrbio bipolar, caracterizam na verdade cenas do nebuloso terreno do assédio moral no trabalho, também chamado de bullying ou mobbing.
Nebuloso, pois as próprias vítimas muitas vezes não reconhecem a agressão e encaram as cenas como desafios a serem superados na busca da manutenção de sua empregabilidade no mercado e das metas de produtividade das empresas.
O tema começou a ganhar mais espaço com os estudos da psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen, uma das primeiras a se preocupar com o assédio moral no trabalho, assunto de livros como Mal-Estar no Trabalho, de 2002. Mas ainda está longe de ser reconhecido como problema pelas empresas e as discussões não encontram melhores cenários em todo o mundo.
A filial do Japão da grife italiana Prada, por exemplo, foi acusada recentemente de demitir 15 funcionários por serem "gordos", "feios" e "velhos". Rina Bovrisse, funcionária da grife, deu entrada ao processo há duas semanas. Segundo ela, as ordens foram para remover para outlets ou lojas não tão bem localizadas cerca de 30 pessoas, a maioria mulheres na faixa dos 40 anos. Ela ainda conta que o gerente de RH da marca pediu que ela emagrecesse e mudasse a cor do cabelo. Em comunicado, a empresa afirmou que "o tribunal competente japonês rejeitou todas as acusações do empregado e determinou que a rescisão de seu contrato de trabalho era perfeitamente legítimo".
Nas Filipinas, uma ex-comissária de bordo, que foi demitida por estar acima do peso, perdeu uma ação que durou duas décadas de processos numa sentença que considerou que o peso dos funcionários era questão de segurança aérea.
Produção
Idade é o primeiro fator de discriminação que leva ao bullying, segundo a ginecologista e médica do trabalho, Margarida Barreto, uma das coordenadoras do site assediomoral.org.br e pesquisadora do tema há 15 anos. Entre seus trabalhos está a dissertação de mestrado "Uma Jornada de Humilhações", feita a partir de 2.072 entrevistas de homens e mulheres de 97 empresas industriais paulistas, e a tese de doutorado Assédio Moral no Trabalho. A violência sutil, baseada em mais de 10 mil questionários respondidos por trabalhadores de todo Brasil. "Está inserido nas relações de trabalho, na forma da organização e na cultura que banaliza certos comportamentos. E 90% das empresas não encaram o problema e fazem de conta que é algo banal. Normalmente só tomam atitude quando há prejuízo na produção", disse.
As mulheres são as principais vítimas com estatísticas em todo o mundo apontando para 70% dos casos. E a maioria deles envolve a questão da gravidez. "Para maior parte das empresas ainda isso é problema", afirmou Margarida. O repertório de frases de humilhação relatado por vítimas é extenso, como "Teu filho vai colocar comida em sua casa? Não pode sair! Escolha: ou trabalho ou toma conta do filho!" (veja mais exemplos de agressões no link acima).
Assédio sexual
Doze por cento dos casos derivam de situações de assédio sexual. Como foi o caso de Elisabeth Pittman, 51, costureira que viveu sob ameaças de uma chefe durante dois anos. Depois de assediá-la sexualmente, passou a humilhá-la desfazendo todo o trabalho de um dia, obrigando-a a longuíssimas jornadas de trabalho para refazer costuras de mochilas. Ela então procurou entidade de apoio a vítimas de assédio moral e o caso chegou ao Ministério Público do Trabalho.
Mas a trajetória não foi fácil. Elisabeth ficou seis anos afastada e encarou um quadro de depressão profunda e duas tentativas de suicídio, uma delas que a deixou internada durante 20 dias numa unidade de tratamento intensivo (UTI). Reintegrada à empresa, foi acompanhada por um diretor e conseguiu mudar o status de vítima de assédio à presidente da CIPA e líder respeitada. A ex-chefe foi demitida.
Segundo Margarida, casos como o de Elisabeth ainda são exceção e a dificuldade começa pelo próprio empregado reconhecer que foi vítima de abuso. O principal desafio na opinião da estudiosa ainda é a visibilidade. "É preciso ter a convicção de que não pode ser banalizado, não está previsto no contrato de trabalho que se pode ser humilhado de nenhum jeito", afirmou. "Se foi um aborrecimento pontual, falo que aquilo me incomodou e espero que a pessoa reconheça, se desculpe e procure não repetir o ato. Mas se é repetido ao longo da jornada é porque não foi causado por um destempero", disse.
Sarcasmo
"A maior dificuldade é saber quando acontece de fato e quando não é algo que decorre do trabalho. É a sutileza que torna o assédio moral ainda mais perverso. Pois o trabalhador não é assediado de forma clara, na frente de outros, mas muitas vezes na forma de brincadeiras cheias de sarcasmo", afirmou Paulo Eduardo Vieira De Oliveira, juiz do trabalho em São Paulo e professor da Universidade de São Paulo.
Margarida afirma que a principal queixa dos funcionários não é a pressão em si, mas como ela é feita, "de maneira a desqualificar, humilhar, com atos que parecem sutis, mas não são como brincadeiras e fofocas."
Segundo Oliveira, do ponto de vista jurídico, o tema é novo e chegou aos tribunais de forma recente. "Há cinco anos não existiam casos e hoje já há alguns nos quais se pleiteiam indenizações. Mas não existem grandes cases no direito brasileiro", disse. Entre os casos estudados pelo juiz está o de vendedores que, obrigados a bater metas, solicitam empréstimos bancários para comprar os produtos que vendem.
"Há várias decisões em primeira instância, algumas com somas bastante altas", afirmou, lembrando do caso da funcionária de uma farmácia que era obrigada a arrumar diversas vezes as prateleiras de produtos, após seu gerente jogar tudo no chão, o que resultou numa indenização alta.
A imprensa internacional noticiou recentemente que a advogada inglesa Gillian Switalski, 53, aceitou acordo de indenização fora dos tribunais da empresa que ela processava com acusações de perseguição por ser mulher, intimidação e discriminação durante 18 meses, o que a deixou mentalmente abalada e incapaz para o trabalho.
Entre os fatos alegados por Gillian está que à colega de trabalho que tinha filho deficiente foi permitido a trabalhar de casa, enquanto ela cujo um dos filhos também sofre de paralisia cerebral precisava se justificar sobre ausências e tinha seus horários de trabalho controlados.
Em 2006, quando sua mãe morreu, a empresa chegou a exigir receber uma cópia do atestado de óbito para aceitar que não ela cancelasse uma viagem a trabalho. Segundo Oliveira, a prova usada nesses casos é sempre a testemunhal.
Demissão
O objetivo do agressor é forçar o funcionário a desistir do emprego, coro que a pessoa logo encontra na família, parceiro e amigos caso decida contar pelo que vem passando durante a jornada de trabalho. Mas o conselho de deixar o trabalho, além de não ser motivado pelas condições gerais do mercado, ainda encontra uma barreira mais resistente, a psicológica. "A pessoa fica o tempo todo querendo provar que ela não é aquilo que falam ou pensam dela", disse Margarida.
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